A demonização de Valverde. Justa?

Ernesto Valverde 

É nítida a insatisfação de boa parte da torcida do Barcelona, pelo menos no Brasil, com o trabalho do técnico Ernesto Valverde. O distanciamento do estilo de jogo cultural da equipe, a dependência excessiva de Messi, a montagem das escalações e falta de meritocracia nelas são alguns dos pontos que servem de luva para baterem no treinador. A gangorra de desempenho ao longo das duas temporadas do espanhol a frente do clube reforça a ideia de uma troca de comando, por vezes suscitando a demonização exagerada do comandante.


E o termo “exagerada”, é empregado por este que escreve se apoiando dentro de um contexto que, em boa parte das críticas, é ignorado de forma prejudicial à análise. Lembrando que Valverde não seria o meu técnico, e concordo que na vertente “potencial x desempenho + resultado”, o treineiro não atinge a média satisfatória.

A opinião que tenho é que, com esse grupo de jogadores, é impossível jogar como se jogava a alguns anos atrás. Não por uma questão de qualidade, mas de coesão do elenco. Alguns jogadores (os mais adaptados ao jogo de outrora) já possuem trinta anos ou mais. Os outros, foram moldados em outras escolas, além de trazerem consigo aspectos físicos e técnicos que dificultam o encaixe na busca pelo tradicional jogo de posição da equipe.


O time é desequilibrado, e os mais jovens não possuem a característica natural do jogo posicional. Os blaugranas mais ortodoxos defendem com afinco a tal ideia de futebol, mas sem levar em conta a assimilação hermética dos conceitos de localização e técnica específicos do estilo. Coutinho por exemplo, é um jogador de espírito livre que não consegue se acomodar na função de Xavi e Iniesta, nem na ponta com função de amplitude. Rende mal por culpa de Valverde? Não acho.

Dembele tem sua melhor versão caindo pela direita, onde joga Messi. Semedo não interpreta a amplitude lateral como Sergi Roberto, que libera os pontas para circularem por dentro (mas acho que deveria ser titular), Arthur mal aguenta 70 minutos, Suárez e Rakitic definham mês após mês, Busquets não é o mais o mesmo… Existe uma série de fatores que, não justifica, mas explica a dificuldade de encontrar a melodia ideal da equipe. Como conciliar tudo?


O próprio Valverde tem outra forma de ver e sentir o jogo em relação ao clube. E entre forçar um jogo que não é sua ferramenta de domínio, com jogadores que não são auto-encaixáveis, e equilibrar as duas visões em busca dessa harmonia, é entendível a opção por abandonar a cultura da camisa em alguns momentos.

Nesse caso, o clube precisa de uma transição? Talvez. É o técnico quem deve fazer? Sim, se a diretoria respaldar e bancar o processo.


Acontece que no Barcelona, os jogadores que ganharam tudo pelo clube tem muita voz. E para além disso, acreditam que a melhor forma de vencer é continuar juntos, fazendo ajustes pontuais (isso explica Semedo, Paulinho, Vidal). E repito, com esses jogadores não é mais possível jogar como a alguns anos atrás. O clube claramente não quer uma revolução.


E dentro desse contexto, “Valgreen” consegue gerir o vestiário e manter o time competitivo até certo ponto, ainda que dependa excessivamente de Messi. Coleciona um bicampeonato doméstico com 36 pontos de diferença para o Real Madrid, uma Copa do Rei, e apenas duas derrotas na Liga dos Campeões. Essa última inclusive, contando com erros individuais gravíssimos, uma pane geral na defesa, esgotamento físico (7 jogadores de linha no jogo com 30 anos ou mais) e mental, e chances preciosas perdidas, que mesmo sem dedo do técnico, geram até hoje a massificação das críticas exageradas.

Por tudo isso, entendo que o trabalho de Valverde deixa a desejar em alguns aspectos, mas não o suficiente para a satanização que acontece. Não seria o técnico que eu colocaria ou manteria no comando do Barcelona, mas consigo entender o contexto a qual ele está inserido. Talvez não tenha tamanho ainda para fazer o seu jogo, ou conhecimento suficiente para encaixar jogadores diferentes dentro do jogo cultural catalão. O jeito então, é seguir dosando as duas concepções e mantendo vestiário ao seu lado até que Pique, Alba, Busquets, Messi e Suarez não estejam mais lá. Que as críticas continuem, mas quando e na proporção que ele mereça.

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