O City realmente evoluiu com Guardiola?


É estranho escrever sobre algo que parece óbvio, mas se não houver sensibilidade nas análises, é possível chegar à opiniões cujo o texto quer combater, que são basicamente os questionamentos sobre Pep em Manchester: afinal, o City evoluiu com a chegada de Guardiola?


Quem defende que não mudou nada, se apoia no argumento de que o clube, continua vencendo apenas o que já vencia antes da chegada do espanhol. A melhor colocação dos citizens na história da Liga dos Campeões também não foi alcançada por Pep, pelo contrário, a semifinal disputada pelo time azul aconteceu exatamente na última temporada antes de sua chegada. Mas então, o que de fato mudou?


Para entender melhor, vamos voltar ao Bayern, último clube do treinador catalão, para explicar sobre evolução.


Paul Breitner, um dos grandes nomes da história do clube, e à época integrante da diretoria bávara, dividiu o processo de renovação do futebol do Bayern a partir de 2010 em três fases, tudo muito bem explicado no livro “Guardiola Confidencial”. Em resumo, passava por uma transformação na forma de jogar, de adquirir uma identidade para se tornar mais competitivo. Começou com Van Gaal, e seguiu com Heynckes até chegar em Pep. E de fato funcionou. O clube atingiu um estilo de jogo de imposição tática e técnica sobre os adversários, dominou a Alemanha como nunca havia sido antes (Pré-pep: 1 título em 3 - pós-pep: 3 de 3 na Bundesliga). A missão ingrata foi ter batido em três semifinais de Liga dos Campeões, com o clube conseguindo o título na temporada anterior à sua chegada. Ficou para alguns a impressão de fracasso, mas, para a cúpula do clube bávaro, o objetivo foi alcançado com sucesso.


Mas chegamos ao Manchester City. O projeto de crescimento que se deu no clube após a sua compra em 2008, pode se obter um marco inicial a partir de 2010/2011, quando já se havia atravessado a fase de “primeiros aportes” do novo milionário inglês. Mark Hughes iniciou a era rica ainda com jogadores pouco competitivos para o mais alto nível, sem contar com a fase de adaptação do clube em geral: expectativa da imprensa, pressão por resultados, entendimento da torcida com a nova realidade, estrutura física de trabalho, transição do nível de elenco, entre outros fatores. A evolução do City como clube era gradativa.


Com mais “internacionalização” e a chegada de Mancini, o clube começou a dar os primeiros passos: uma FA Cup (10/11), uma Supercopa da Inglaterra (12/13) e a conquista da Premier League (11/12, no momento histórico do gol de Kun Agüero contra o QPR nos acréscimos do 2º tempo). Na Champions, porém, o técnico nunca havia chegado a fase de mata-mata.


Com Pellegrini, mais competitividade: outro título de Premier League (13/14), além de duas conquistas da Copa da Liga Inglesa (13/14 e 15/16). O clube continuava a contratar jogadores de alto nível, mas já com uma base consolidada e formas de jogar que evoluíram dentro do nível que foi se alcançando como instituição. Na Liga dos Campeões, enfim chegando ao mata-mata, e até conseguindo disputar a semifinal, perdendo para o Real Madrid que viria a ser campeão. Então veio Guardiola.


A verdade é que mesmo ganhando os títulos que ganhou, o City nunca foi hegemônico. Nunca deixou claro que era o melhor time da Inglaterra nem mesmo nas temporadas em que vencia seus títulos. A forma de jogar era por vezes pouco competitiva e nitidamente não havia força para competir contra os mais poderosos do continente. Jogos contra o Barcelona, por exemplo, não davam a menor impressão de que poderiam ser vencidos pelo clube. Não havia casca e mesmo na semifinal, sequer flertou com a possibilidade de avançar, apesar do placar - não acredita? Procure manchetes de jornais britânicos da época - e, o caminho acessível talvez explique ter chegado à tal fase.




Após a saída do técnico chileno, o presidente do City, no próprio canal de televisão do clube, se pronunciou sobre a última temporada: “Devemos estar agradecidos a Manuel e à sua equipe por esses êxitos. Ao mesmo tempo, também não podemos ocultar a decepção, sobretudo neste ano. Tínhamos muitas expectativas para esta temporada. Não me importa perder para o Real Madrid, mas queria sentir que demos 100%, e não creio que fizemos isso”. E, embora tenha alcançado de forma histórica as semifinais da Champions League, não se pode considerar que o Manchester City tenha terminado a temporada entre os seis melhores times da Europa, porque é indiscutível que Real Madrid, Barcelona, Atlético de Madrid, Bayern, Borussia Dortmund e Juventus, eram, futebolisticamente falando, equipes um tanto superiores. Portanto, o entendimento que fica é que, assim como o título do Chelsea em 2012 por exemplo, o City “apenas” alcançou uma semifinal, e não se tornou de fato um clube mais forte. E sabemos que a consolidação de um clube não se dá apenas por títulos e sim por se estabelecer como tal. E foi para isso que o catalão foi contratado.




O City de Guardiola caminha os próximos passos dessa consolidação. Análises simplistas de resultado não são capazes de medir que o clube finalmente passou a despontar como um dos favoritos. O estilo de jogo, ofensivo e de imposição, é um legado que vai ficar independentemente de Pep continuar no clube - lembra novamente do Chelsea campeão europeu em 2012, pois é, o que sobrou desse título? - , o que certamente coloca o trabalho em outro patamar. A ideia não é apenas vencer por vencer, mas sim, criar a estrutura que permita vencer uma vez, e vencer duas, e vencer três.





E a aplicação dessa estrutura/mentalidade/cultura vencedora não acontece da noite pro dia com uma simples carteira aberta para contratações. A base de elenco herdada por Guardiola precisava de uma reformulação. Dos 38 jogadores registrados da equipe, apenas 20 tinha menos de 28 anos, e desses, 16 eram garotos com menos de 21 anos. Não era uma transição simples de se fazer, e levando em conta que os “veteranos” que ficariam já se encontrariam longe do auge físico e técnico, a implantação do novo jogo sofreria desgastes normais de uma entressafra.




Mas o trabalho de Guardiola deu a esses uma nova química de jogo. Não são milhões de euros que fazem Aguero acima dos 30 anos jogar a melhor temporada da carreira, ou que salvam o dinheiro gasto com Sterling, já dado por muitos como jogado fora, valerem cada centavo em gols decisivos, com um deles (anulado) por muito pouco não classificando o clube novamente a uma semifinal de Liga dos Campeões.




Também não são apenas os milhões que fazem o City entrar como favorito e mesmo sendo eliminado, já é visto como favorito para a próxima temporada e tranquilamente um dos três melhores times dessa mesma. Falar sobre os títulos na Inglaterra beira a redundância em citar excelência. Pep não é conhecido pelos títulos que ganha, mas sim, como ganha, e em Manchester não tem sido diferente a forma como vence seus títulos. Jogar no lixo a quantidade de recordes que o técnico jogou em tão pouco tempo, milhões de euros dados a qualquer outro treinador dificilmente aconteceriam. E por mais que se relute em ver, esse tipo de coisa constrói história tanto quanto títulos ganhos a qualquer forma.





Você se lembra mais da Holanda ou da Alemanha em 74? Pois é, a seleção holandesa não venceu, mas ganhou um tamanho muito maior na história. O Arsenal invicto de 2004, está tão na história quanto o Chelsea de 2015 que venceu o mesmo título? Obviamente não, o que deixa claro que “apenas” títulos não constroem história, tampouco deixam legados para que se construa essa história em algum momento.




Portanto, Pep chegou para fazer história. Não venceu um título europeu em três temporadas ainda, mas é uma lógica simples: se fica mais próximo da vitória, jogando bem, e o City de Guardiola tem jogado cada vez melhor. Se não for com ele, será outro treinador em outro momento, com um trabalho gradativo exponencialmente potencializado pelo espanhol, com seu legado. Na história do futebol inglês, seu time já está. O City não está ficando maior apenas pelo ganha, mas pela forma como ganha. E ganhar com requintes de time histórico, é sim uma evolução ao que não acontecia antes. Achar que o trabalho de Guardiola se resume a conquistar os títulos “conhecidos” é não entender a sua evolução. Que aceite ou não, está acontecendo. O City mudou depois de Pep, não vê quem não quer.

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